A promulgação da Lei nº 14.470/2022, que introduziu alterações à Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011), marcou o panorama jurídico brasileiro, instituindo o conceito de double damage ou “danos em dobro”. Tal inclusão veio em resposta à demanda da sociedade por maior proteção contra infrações à ordem econômica, como o cartel.
No Brasil, a prática de cartel gera consequência em três esferas jurídicas distintas, simultaneamente: (i) administrativa, (ii) criminal e (iii) civil. A primeira, por violar o artigo 36, § 3°, da Lei de Defesa da Concorrência; a segunda, por desrespeitar o artigo 4° da Lei de Crimes Econômicos (Lei nº 8.137/1990); e a terceira, por ser um ato ilícito, nos termos do art. 186, e gerar direito à indenização, conforme preceito do art. 927, ambos do Código Civil.
Comparando-se aos EUA e à Europa, a indenização civil em favor das vítimas de cartel é ainda pouco explorada no Brasil. A introdução do double damage pode desincentivar os infratores, uma vez que de, pois tende a gerar maior busca de reparação por parte das vítimas. É importante lembrar que a nova regra beneficia não apenas as vítimas de cartéis operados no Brasil, mas também aqueles internacionais, ou ocorridos em outros países, que tenham gerado efeitos no Brasil.
Recentemente, alguns casos julgados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), tiveram ampla repercussão, pois geraram grandes prejuízos a empresas e consumidores no Brasil. Entre eles estão o Cartel dos Tubos e Conexões de Polietileno de Alta Densidade (PEAD) e o Cartel das Resinas.
O primeiro gerou efeitos nos mercados de infraestrutura de gás e de saneamento básico, afetando compras de tubos e conexões de PEAD durante os anos de 2004 a 2015. Já os efeitos do Cartel das Resinas se espalharam por muitos mais setores. O acordo ilícito foi realizado por produtores de resinas para revestimento – utilizadas para aplicações industriais de alto desempenho, como fabricantes de tintas e vernizes; resinas poliéster insaturadas (RPI) – utilizadas por fabricantes de piscinas, banheiras, caixas d’água, dentre outros; e resinas fenólicas industriais (RI) – utilizadas para aumento de resistência térmica por fabricantes de lixas, refratário, dentre outros. O cartel perdurou de 2004 a 2012, gerando prejuízo a todos os compradores dessas matérias-primas.
Os volumes e valores impactados por cartéis são normalmente vultuosos, devido à maximização gerada pelo período que duram, e as ações indenizatórias por ilícitos concorrenciais são de alta complexidade e alto custo. Diante disso, o double damage representa uma oportunidade e um incentivo para que empresas prejudicadas busquem a devida reparação e compensação adequada pelos danos sofridos pelo conluio.
A alteração legislativa trazida pela Lei n° 14.470/2022 representa não apenas um benefício às vítimas, na responsabilização de cartelistas por suas condutas anticompetitivas, mas também fortalece o sistema jurídico brasileiro no combate aos cartéis, na defesa dos interesses dos consumidores e da livre concorrência, dissuadindo os infratores da prática ilegal. É fundamental, portanto, que as empresas impactadas por ilícitos concorrenciais estejam atentas à possibilidade de recuperação – agora em dobro – dos danos sofridos no Brasil.
* Bruno Oliveira Maggi é head da equipe de Direito Concorrencial do MANUCCI ADVOGADOS – UGGC AVOCATS
Conteúdo colaborativo com a Manucci Advogados – empresa associada da Câmara de Comércio Italiana de Minas Gerais.