A combinação entre cozinha e filmes ajudou a moldar a Itália que o mundo conhece hoje
12/04/19
A comida é uma das partes mais importantes da cultura italiana. Comer bem é parte de ser italiano e a gastronomia, mundialmente conhecida, é um dos principais cartões de visitas do país. E assim como a culinária, o cinema é outra parte fundamental da identidade nacional italiana. Desde o começo do século e da realização dos primeiros filmes italianos, a sociedade e a cultura do país passaram a ser representadas pela sétima arte como em nenhum outro lugar no mundo. O cinema deu novo destaque aos hábitos alimentares italianos e ajudou a propagá-los dentro do próprio país, que, apesar de pequeno, possui inúmeras diferenças entre os grupos que ali vivem, e pelo mundo, expressando de maneira muito fiel a cultura da Itália. O cinema não só ajudou a difundir a gastronomia italiana, quanto ajudou a moldá-la. Sem os magníficos clássicos, a Itália não seria o que conhecemos hoje.
Todos os filmes emblemáticos do cinema italiano tem algum momento central relacionado à comida. Colomba Cicirata, membro da Accademia Italiana della Cucina, afirma em uma publicação na revista Cività della Tavola, número 166, do ano de 2005, que durante o período fascista, o cinema se conteve e evitou exibir cenas de fartura alimentar por irem contra as ideias do regime, podendo incentivar ideias contrárias ao governo da época. Cicirata conta ainda que no pós-guerra, chamado no cinema de neorrealismo, período de grande escassez na Itália, o cinema abordou temas como a fome e o relacionamento difícil com a comida durante os anos de grande dificuldade econômica no país. A acadêmica dá como exemplo o filme “Roma città aperta”, de Roberto Rossellini (1945), cheio de cenas fortes e que enfatizam as dificuldades passadas, como as compras de comida no mercado negro e a distribuição dos alimentos apenas mediante apresentação de um cartão especial para tal fim.
O cinema, sempre acompanhando a sociedade italiana, muda completamente com o fim do período de dificuldades e ganha ares mais alegres. A comida passa a ser representada com abundância, os filmes mostram o progresso italiano e as cenas envolvendo alimentos exploram as relações familiares ou íntimas entre os personagens, ao mesmo tempo em que serve como uma pausa cômica na narrativa. O macarrão é colocado no centro das representações cinematográficas e o sul da Itália vira um tema constante, como nos muitos filmes de Vittorio de Sica.
Os anos sessenta e o milagre econômico italiano trazem mais mudanças no cinema. Comer agora se torna uma atividade de status. A comida é uma forma de demonstrar riqueza e posição social, o que importa é comer com pessoas de prestígio e em lugares da moda. O cinema da época mostra muito bem o novo italiano, que com o milagre econômico se torna mais orgulhoso e deseja mostrar o que tem. Em “La dolce vita” (1960), o grande clássico do cineasta Federico Fellini que ajudou a construir fama de boêmia que a Itália conserva até hoje, a vida dos personagens gira sempre em torno de festas, jantares e figuras importantes, mas, apesar disso, comer não está no centro das atividades e eles raramente são vistos comendo, a socialização é o principal.
Os cineastas dos anos sessenta plantaram a semente do cinema da década seguinte, que passou a questionar tópicos inéditos, como crises existenciais e o propósito da vida humana. A comida então passa a ser usada como um instrumento no questionamento das lutas emocionais e psicológicas do ser humano, muitas vezes os comportamentos alimentares são usados para representar as mazelas do homem e da vida em sociedade. Diversos filmes, como “La grande buffata” (A comilança, em português), de Marco Ferreri, e Novecento, de Bernardo Bertolucci, criticam a miséria humana usando alegorias que envolvem alimentos, como banquetes exacerbados ou a falta de comida, e mostram certa nostalgia da vida passada e no campo. O cinema da época critica a sociedade na qual está inserido, rejeita o presente, e olha para o passado ou futuro com esperança.
O final dos anos oitenta até o presente apresenta uma diversidade enorme de representações no cinema mundial, assim como acontece no mundo inteiro e a comida toma vários papéis que se expandem para algo que vai muitas vezes além da Itália. A comida passa a ser uma grande analogia para o sentimento. É em cenas à mesa que tensões familiares são exploradas, é na comida que memórias passadas se manifestam e é através do ato de cozinhar que limites culturais, de ideias e até linguísticos são transpostos. Como no clássico moderno de Luca Guadagnino, “Me chame pelo seu nome”, em que as cenas à mesa são essenciais para o desenvolvimento dos personagens, assim como a relação deles com a comida.
Itália, cinema e comida, andam juntos e a história do país é escrita para então ser contada pelas lentes das câmaras e interpretada através comida. A história é longa e ainda tem muito pela frente. Afinal é impossível imaginar a Itália sem sua culinária ou seu cinema, e muito menos no cinema italiano sem comida.
Confirma alguns filmes italianos com momentos culinários memoráveis:
- “Ladri di Bicicleta”(1948)
- ” Un americano a Roma” (1954)
- “Miseria e Nobiltà” (1954)
- “Il Gattopardo” (1963)
- “La dolce vita” (1960)
- “Amarcord” (1973)
- “Fantozzi” (1975)
- “7 chili in 7 giorni” (1986)